Vale a pena encontrar este filme e com ele reviver aquele período extraordinário da transição cultural na geração de fins dos anos 70.
Em Manchester, em 1977, 42 pessoas assistem a um concerto dos "Sex Pistols" e à explosão sonora de "God Save the Queen" e outras canções da mesma voltagem, autêntico murro duplo no estômago das consciências da Grã-Bretanha pré-Thatcher.
De entre esses 42, boa parte viria a encetar percursos criativos dos mais fantásticos, acima de todos Tony Wilson, o futuro patrão da Factory Records.
E foi justamente a sua característica de patrão único, quase irrepetível, que faz notícia neste filme.
Porque foi genuína, honesta e inspiradora de projectos musicais verdadeiramente notáveis, Wilson assistiu ao dealbar, depois ao esplendor e em seguida ao ocaso. E acima de todos ao seu próprio ocaso.
Enquadrou manifestações multivivenciais em torno da música, projectos de empresa de raiz mais ou menos libertária, sempre tendo em vista que a criação era o que mais importava.
Poucos anos depois a indústria devorou-o. Mas as raizes ficaram e a Factory ficou marco inesquecível para talvez milhões pelo mundo todo.
O período marcado pela Factory Records foi longo, o seu alcance geográfico imenso. Em Portugal os Sétima Legião, ou os saudosos Croix-Sainte foram talvez a sua melhor materialização. Na cinzenta Manchester de fins de 70, inícios do 80, a Joy Division, os A Certain Ratio, ou os New Order, foram os filhos dilectos da obra editorial de Wilson.
"24 hour party people" acaba não sendo bem um filme, mais um "docudrama". O que lá se vê, tudo muito realista, diz-nos que não foi particularmente bonito viver por dentro.
Mas perguntemo-nos: foi alguma vez uma revolução cultural bonita, polida e perfeita no seu alcance?
Tony Wilson está hoje funcionário da Granada TV. Essa a história mais triste de todas que o filme nos diz. Como pode a sociedade olvidar tão cruelmente os seus melhores?
Quem puder, que veja este filme.
A IMAGEM: David Guttenfelder, 2024
Há 2 horas