Esta música teve várias versões (entre estes 4 minutos e uma com 74) e tem um lugar único na minha vida de melómano.
Ouvi-a a primeira vez na versão para LP, de quase 25 minutos, originalmente composta por Gavin Bryars em 1971. Ainda mantenho, e em boa forma, esse disco da EG Records, de 1975, que tem no outro lado uma suite orquestral igualmente magnífica, "The Sinking of the Titanic".
A voz de fundo de "Jesus Blood Never Failed Me Yet" começa antes do conjunto orquestral e vem a ser por ele primeiro absorvida, depois apagada. É a voz de um anónimo e nunca reencontrado mendigo, cujo registo, ocorrido na década de 1960, foi feito para um documentário de Alan Power sobre a vida dos "sem abrigo" nas ruas de Londres de há quase 50 anos.
A odisseia desta composição única, das minhas melhores músicas de sempre, está razoavelmente ilustrada na Wikipedia.
Quando Tom Waits lhe entregou a sua voz, em inícios dos anos de 1990, ocorreu um fenómeno duplo: se alguém podia aproximar-se da intensidade desta voz que canta a vida, destacando que o sangue de Jesus ainda não lhe faltou, esse seria mesmo Tom Waits; por outro lado, nem Tom Waits, dos maiores compositores vivos, personalidade fabulosa, cantor irrepetível, nem ele consegue evitar a sensação de que a sua versão é desnecessária.
Ou antes, Tom Waits, na sua insuficiência ou na irrelevância que este clip regista, conferiu a "Jesus Blood Never Failed Me Yet" um reforçado estatuto de obra histórica, mágica. E é esse o seu mérito.
A IMAGEM: David Guttenfelder, 2024
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