segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

Messias, de G. F. Handel: um convite à revelação do espírito

A propósito do Natal, são inúmeras as possibilidades de prazer dentro da grande música.
Os crentes procurarão composições capazes de alimentarem em si a espiritualidade da quadra. Já os não crentes, como este escriba, procurarão tão somente uma fruição ainda mais elevada que a ocasião também a eles - nascidos e formados em ambiente cristão - inevitavelmente sugere.

Poderiam ser Monteverdi, Scarlatti, Josquin Desprès, até Haydn, Sibelius, ou mesmo Olivier Messiaen. Lembrariamos tantos mais.

Mas é sobretudo em J.S. Bach, o deus absoluto da história da música, que sempre pensaremos como a escolha mais óbvia, principalmente pelas suas Paixões (mais a de Mateus - a obra da nossa vida, na interpretação inultrapassável de Philippe Herreweghe - também a de João), mas igualmente pelas suas cantatas, missas e oratórios.

Mas há outra obra que se aproxima da intensidade do melhor Bach, para muitos cultores estando mesmo no lugar cimeiro como a peça de referência do Natal e em geral da simbologia e liturgia musicais cristãs: Messias, de Georg Frideric Handel, ele mesmo um contemporâneo de Bach, nascido no mesmo ano prodigioso de 1685

E foi Messias - muitos conhecerão o seu famosíssimo Hallelluja - a nossa escolha para companhia destes dias, na circunstância através de um vinil de 1985, da Erato, com Ton Koopman na direcção da sua Amsterdam Baroque Orchestra, acompanhados pelo Coro "The Sixteen", em captação ao vivo am Agosto e Setembro de 1983, primeiro em Rimini, Itália e depois em Utrecht, Holanda.

Desta superior interpretação sabemos ter havido compilação em CD com outro oratório de Handel, A Ressurreição, opção há muito esgotada nos mercados internacionais.

Na falta do que conhecemos bem, recorremos ao saudoso Luís M. Alves e à inesquecível listagem de 1996, "150 discos para uma paixão" (divulgada no PÚBLICO, na sua despedida de cronista), para lembrar aquela que é a interpretação de absoluta referência: Nikolaus Harnoncourt na Teldec, com o Concentus Musicus de Viena. Infelizmente também esgotada mundo fora.

Terceira interpretação bem referenciada, a de Trevor Pinnock, na editora Archiv, essa sim disponível em sites internacionais, em reedição da D.G.

Para quem a grande música é ainda lugar de desprazer e enfado, dificilmente suportável, fica o desafio: poderá não ser hoje, talvez demore anos, eventualmente décadas, mas um dia poderá suceder-lhe também a si que este Messias inunde de luz o seu espírito como há séculos preenche e entusiasma milhões pelo mundo dentro.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Os meus melhores de 2006


Posição. Nome. Álbum

1. Kelley Polar. Love songs of the Hanging Garden
2. Css Cansei De Ser Sexy. Css Cansei De Ser Sexy
3. Hot Chip. The Warning
4. Nightmares On Wax. In A Space Outta Sound
5. Kode9 + The Spaceape. Memories Of The Future
6. Spank Rock. Yoyoyoyo
7. Sonic Youth. Rather Ripped
8. Kudu. Death Of The Party
9. Final Fantasy. He Poos Clouds
10. Fujiya Miyagi. Transparent Things


Meu caro (eventual/acidental ou não) leitor. Nunca me vi noutra situação como esta em que me sinto o mais injusto e vil classificador ou júri de que tenho memória.

O motivo da minha escolha para o número 1 é no mínimo surreal. Segue-se a história:
O meu nº 1 só o é pela luz que se me fez uns meses depois de um assalto de que fui alvo em 1 de Fevereiro passado. Depois de almoçar com pessoa amiga na minha antiga faculdade, agora com novas e moderníssimas instalações no Alto da Ajuda, cheguei ao meu carro e o cenário com que deparei eram vidros e vidros partidos por todo o lado. No entanto, o ladrãozeco só partira o chamado "vidro do ladrão". Fiquei mais preocupado quando me lembrei do meu querido e saudoso "Barbour" (leia-se belíssimo casacão para a chuva, para o frio e para o rapagão que mo gamou). Meus ricos 300 e tal euros que o dito me tinha custado.

No banco da frente tinha também deixado, dentro de um saco da Fnac, alguns discos, pois não me cabiam todos no guarda luvas. Era Kelley Polar acabado de comprar na Flur, eram os Clap Your Hands Say Yeah, também acabadinho de comprar na Fnac e mais uns quantos de 2005. Então, aconteceu a "revelação", passados alguns meses. Ao voltar a ouvir o disco do Kelley Polar, num CDR que um amigo me gravara posteriormente ao furto, fez-se verdadeiramente luz. O disco "Love Songs of the Hanging Garden" é ou era efectivamente e sem sombra de dúvida um fabuloso disco de canções ou de ilustrações sonoras (ou o que lhe quisermos chamar) a que o ladrãozeco efectivamente não resistiu porque decerto já conhecia o disco. Eu é que não tinha chegado a aquecer o leitor de CD's mais que uma ou duas audições. Ou seja, o motivo primeiro do dito furto, foi o disco do Kelley Polar e só muito depois veio o "Olha que o gajo - eu - não é que deixou ali uma merda dum "Barbour" de 60 contos. "Porra que trabalheira - levar o casaco - pois já estava mais que satisfeito com o Kelley Polar".
Aqui está, meu caro e eventual leitor - se seguiu a prosa até aqui - a razão mais estúpida do mundo para o meu nº 1 da Minha lista de 2006. Com a agravante do disco ter saído no final de 2005.



A canção do ano

Css Cansei de Ser Sexy - (atenção aos clips) Let's Make Love and Listen to Death From Above; bis.


O acontecimento do ano

Dj Battle na Oxigénio, em 28 de Julho último:
O duelo foi com o Simão, meu filho mais velho, que sem dó nem piedade, mas com um fortíssimo lobby, me derrotou numa quase hora e meia de emissão inesquecível (registada para a imortalidade pelo VRM). O Tomás, meu filho mais novo, foi a surpresa da tarde, com umas tiradas surpreendentes para os ouvintes e também para a Isilda, que sabiamente deixou a emissão ser familiar, como as pizzas partilhadas em família. Um bem haja à Isilda Sanches (uma grande senhora da rádio das "imensas minorias", da saudosa Xfm à actual Oxigénio) pela experiência fantástica e verdadeiramente inesquecível que nos proporcionou.



Os concertos do ano

1º Gang of Four, em Paredes de Coura:
Principalmente pela surpresa dum concerto fabuloso, de que sinceramente não estava à espera. No entanto, parece que só eu é que fiquei com esta sensação de ter visto ali aterrarem 4 OVNIS (leia-se fabulosos músicos) e darem, para quem os quis ou soube ouvir, um concerto memorável. Coisas da idade...ou talvez não.

2º !!!, também em Paredes de Coura:
Fantástico concerto. No entanto, não teve o efeito surpresa dos referidos Gang of Four. Todos os que viram o concerto do ano anterior, ali no mesmo palco (eu só vi a gravação, penso que quem transmitiu em directo foi a Sic Radical) já esperavam um verdadeiro tornado de ritmo, loucura e música contagiante para os corpos e para a cabeça. Falava-se lá que os !!! deveriam ter presença vitalícia no grande festival que é Paredes de Coura. Eu fiz a estreia este ano e fiquei cliente. Que local fantástico!.

3º Editors, no SRSB:
Muito bom concerto. O vocalista, em palco, foi electrizante. Trocou de guitarra em cada música, tal o vigor e energia com que se apresentou. O resto da banda também esteve muito bem. Surpreendente, ou não, a boa aceitação do público, muitos fans, que já conheciam e cantavam muitas das músicas do seu único álbum.

Para estreia na blogosfera já chega. Prometo voltar em breve, com filmes, fitas e estórias que valha a pena partilhar. Até lá...Feliz Natal e um bom 2007. O 2006 não deixa saudades.

domingo, 17 de dezembro de 2006

uma história de Fernando Lopes-Graça


Este pequeno espaço não versa principalmente a música erudita, incapazes se sentem os seus autores para se alcandorarem ao discurso sério das coisas belas que coexistem na alma com ela, das suas cores, das suas palavras poéticas tão próprias, sequer das imagens que ela traz.
Mas como esquecer que a música, e particularmente a música erudita, é talvez a beleza maior, o encanto harmónico humano mais próximo da natureza, ela sim A beleza em corpo?


Tudo isto porque neste dia 17 de Dezembro, há 100 anos, nasceu um homem importante, mais tarde pequeno de estatura, mas em definitivo dos nossos verdadeiros génios contemporâneos.

De Fernando Lopes-Graça, nascido em Tomar, pode dizer-se ter sido um erudito relativamente tardio - toca as primeiras músicas aos 11 anos, compõe perto dos 20 - um homem de liberdade, preso e perseguido repetidamente, rejeitado no ensino público, quase empurrado para o exílio, mas sempre resistente, e pode também dizer-se ter sido um homem maior que a nossa circunstância cultural permitiria a um criador comum. O ponto é que Lopes-Graça nunca esteve fadado a homem comum.

O que hoje convocamos para concelebrar este nosso outro Fernando - ainda contemporâneo do outro, o Pessoa - é uma pequena história, ouvida na primeira pessoa a António Cartaxo, em programa evocativo transmitido na Antena 2.

Ora, sucede que em determinado prédio do Estoril viviam, não casualmente, vários melómanos, quatro, cada um em seu apartamento, cada um com a sua pequena agenda, ora se entre-convidando para se discutir (Mahler, Prokofiev, etc.), ora para tocarem, ora ainda para escutarem.

Fernando Lopes-Graça vivia não longe, mas sem melómanos por perto. Cultivasse embora a solidão do grande criador, mas também do antropólogo musical (maravilhosas as recolhas de música tradicional que com Michel Giacometti fez, entre os anos de 1950 e 1960!), também do documentarista, o facto é que para todos, mesmo para os génios, sempre um dia se tornará demasiada a solidão.

E o que fazia ele no aperto da necessidade de outrém? Dirigia-se ao prédio do Estoril, na certeza de que sempre encontraria ao menos um dos quatro, ao menos um acontecimento, uma possibilidade de discussão, ou que nem fosse um piano esperando por mãos carinhosas. Uma história simples, de um homem simples, mas nada comum.


No DIVERSUS conhecemos muito insuficientemente Fernando Lopes-Graça, mas temos a convicção de que ele é, com Carlos Paredes, com Emannuel Nunes (ainda vivo, em França), e, vindo de séculos atrás, com Carlos Seixas, a matéria de que se faz o cimento de uma cultura musical pequena em número, mas afinal a nossa cultura musical.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

2006: a Lista DIVERSUS; os 30 magníficos

















1. Steve "The Scotsman" Harvey. The Everyday People Project Vol. 1

2. In Flagranti. Wronger Than Anyone Else
3. Herbert.
Scale
4. Kuniyuki Takahashi.
We Are Together
5. Nightmares On Wax.
In A Space Outta Sound
6. Nathan Fake.
Drowning In A Sea Of Love
7. Zero 7.
The Garden
8. Carl Hancock Rux.
Good Bread Alley
9. Pretz.
Soundcastles
10. Koop.
Koop islands
11. Kode9 + The Spaceape. Memories Of The Future
12. The Invisible Session.
The Invisible Session
13. Jhelisa.
A Primitive Guide To Being There
14. Mummer.
Soulorganismstate
15. Nomo.
New Tones
16. Radio Citizen.
Berlin Serengeti
17. Burial.
Burial
18. The Bamboos.
Step It Up
19. Ellen Allien & Apparat. Ochestra Of The Bubbles
20. Paolo Fedreghini And Marco Bianchi.
Several Additional Waves
21. Wise In Time. The Ballad Of Den The Men
22. Burnt Friedman & Root 70.
Root 70 Plays B.Friedman & The Nu Dub Players
23. Kudu. Death Of The Party
24. Lefties Soul Connection.
Hutspot
25. Nino Moschella.
The Fix
26. Fujiya Miyagi.
Transparent Things
27. Nostalgia 77 Octet.
Borderlands
28. Skream.
Skream!
29. Spanky Wilson & The Quantic Soul Orchestra.
I'm Thankful
30. Final Fantasy.
He Poos Clouds

2006: as 20 melhores canções






1. Pretz. Chapel Stile

2. Steve "The Scotsman" Harvey. Shake It Off
3. Mummer. Baby Don't You Go
4. In Flagranti. Genital Blue Room
5. Fujiya Miyagi. Ankle Injuries
6. Zero 7. Throw It All Away
7. Herbert. We're In Love
8. Nomo. Nu Tones
9. The Bamboos. Transcend Me
10. Jhelisa. Far I Have Come Far I Must Go


11. Aqua Bassino. I'm A Believer
12. The Invisible Session. I Knew The Way
13. Nightmares On Wax. Damn
14. Burnt Friedman & Root 70. Get Things Straight
15. Lindstrom. Feel PM
16. Kode9 + The Spaceape. Glass
17. Paolo Fedreghini And Marco Bianchi. Another Face (Reworked Wave)
18. Nathan Fake. Grandfathered
19. Kudu. Hot Lava
20. Ellen Allien & Apparat. Way Out


NB - máximo de uma canção por álbum

2006: as 15 melhores colecções de canções

1. Arthur Russell. First Thought, Best Thought

2. Focus Jazz: More Modern Jazz From The Wewerka Archive 1966-1969
3. Tom Waits. Orphans
4. Quantic Presents: The World's Rarest Funk 45's
5. Hans Peter Lindstrom. It's A Feedelity Affair
6. Gilles Peterson Digs America: Brownswood Usa
7. The Clash. Singles
8. Panamá: Latin, Calypso And Funk On The Isthmus 1965-75
9. Trojan Motor City Reggae Set
10. Rhythm & Sound. See Mi Yah Remixes
11. Tosca. Souvenirs
12. Quantic. One Offs, Remixes And B Sides
13. Rogue's Gallery: Pirate Ballads, Sea Songs & Chanteys
14. Alice Russell. Under The Munka Moon II
15. Pow Wow - Yet More Jazzman Sevens
















2006: os melhores álbuns de originais...de outros anos, aqui chegados em 2006



1. Aphex Twin. I Care Because You Do (1995)

2. Prins Thomas. Major Swellings (2005)
3. A Guy Called Gerald.
Black Secret Technology (1995)
4. 4 Hero.
Parallel Universe (1995)
5. Seke Molenga + Kalo Kawongolo.
African Roots (1977)
6. Tony Allen.
No Accomodation For Lagos (1979)
7. Smoove.
Dead Men's Shirts (2005)
8. Orbital.
The Blue Album (2004)
9. Neu.
Neu! (1972)
10. Trio Eletrico.
Echo Parcours (2003)

2006: 10 canções de antes de 2006



1. Hans Peter Lindstrom. Roma E6 7825

2. Arthur Russell. Instrumentals 1974 Vol. 1, Nº 1
3. Orbital. One Perfect Sunrise
4. The Congos. Fisherman
5. Bathysphere (Quantic Remix). Where's Vicky?
6. Peggy Lee. Is That All There Is?
7. Darondo. Didn't I
8. Tony Joe White Remixed By Boozoo Bajou. Rainy Night In Georgia
9. Dusko Goykovich. Macedonia
10. Prins Thomas. Göettsching

2006: 10 colecções de canções de outros anos


2006: fora das músicas populares






Erudita: Truls Mörk, na interpretação das suites para violoncelo solo, de J.S. Bach






Contemporânea: Kieran Hebden e Steve Reid, em The Exchange Session vol. 1 e vol. 2














Jazz: Nostalgia 77 Octet, em Borderlands











as escolhas de 2006: os melhores momentos ao vivo





Melhor concerto: SOFA SURFERS, no Club Lua, em Abril








Melhor DJ set: BOOZOO BAJOU, no Clube Mercado, em Setembro

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Razões para não perder o super swing dos Koop no próximo 11, em Lisboa



Na próxima 2ª fª, dia 11 (pelas 22:30), os suecos Koop virão a Lisboa, para actuação única no Arena Lounge do Casino de Lisboa.

Há várias razões para não perder, a última sendo tratar-se de uma borla.

A penúltima é ser o som do Lounge bastante bom, em força como em definição.

Depois, bem depois o melhor é ver e ouvir este Come to Me, espantoso clip com Yukimi Nagano a estrelar a grande nível e toda a magia do super duo de Estocolmo condensada em canções de grande poder de swing e absolutamente revivalistas, num requinte audível em Koop Islands, definitivamente um dos grandes grandes àlbuns de 2006 (apenas pecando por serem míseros os seus minutos, pouco mais de 30).
Ah! e se a palco vierem também as músicas de Waltz For Koop, então o céu e o Arena Lounge poderão mesmo vir a tornar-se uma e a mesma coisa, no mesmo momento, algures na próxima segunda de noite.

domingo, 3 de dezembro de 2006

As escolhas DIVERSUS 2006. Prelúdio: acontecimento musical do ano


O nascimento e afirmação do programa de autor A Fuga da Arte, de Ricardo Saló, às 0:00 de todos os domingos, na Antena 2 (94,4) é o acontecimento do ano.

E é mais um marco na carreira absolutamente única do nosso maior pensador musicológico, seguramente dos maiores melómanos vivos, por todo o mundo, de entre os que se dedicam à compreensão das músicas populares.



A persistência e afirmação de A Fuga da Arte é também o testemunho de que em Portugal há definitivamente possibilidades na resistência à mediocridade, à facilidade e à ditadura do mercado, mérito do Ricardo e também dos novos (de 2005) decisores na Antena 2, que tornaram possível esta brisa fresca.