Este pequeno espaço não versa principalmente a música erudita, incapazes se sentem os seus autores para se alcandorarem ao discurso sério das coisas belas que coexistem na alma com ela, das suas cores, das suas palavras poéticas tão próprias, sequer das imagens que ela traz.
Mas como esquecer que a música, e particularmente a música erudita, é talvez a beleza maior, o encanto harmónico humano mais próximo da natureza, ela sim A beleza em corpo?
Mas como esquecer que a música, e particularmente a música erudita, é talvez a beleza maior, o encanto harmónico humano mais próximo da natureza, ela sim A beleza em corpo?
Tudo isto porque neste dia 17 de Dezembro, há 100 anos, nasceu um homem importante, mais tarde pequeno de estatura, mas em definitivo dos nossos verdadeiros génios contemporâneos.
De Fernando Lopes-Graça, nascido em Tomar, pode dizer-se ter sido um erudito relativamente tardio - toca as primeiras músicas aos 11 anos, compõe perto dos 20 - um homem de liberdade, preso e perseguido repetidamente, rejeitado no ensino público, quase empurrado para o exílio, mas sempre resistente, e pode também dizer-se ter sido um homem maior que a nossa circunstância cultural permitiria a um criador comum. O ponto é que Lopes-Graça nunca esteve fadado a homem comum.
O que hoje convocamos para concelebrar este nosso outro Fernando - ainda contemporâneo do outro, o Pessoa - é uma pequena história, ouvida na primeira pessoa a António Cartaxo, em programa evocativo transmitido na Antena 2.
Ora, sucede que em determinado prédio do Estoril viviam, não casualmente, vários melómanos, quatro, cada um em seu apartamento, cada um com a sua pequena agenda, ora se entre-convidando para se discutir (Mahler, Prokofiev, etc.), ora para tocarem, ora ainda para escutarem.
Fernando Lopes-Graça vivia não longe, mas sem melómanos por perto. Cultivasse embora a solidão do grande criador, mas também do antropólogo musical (maravilhosas as recolhas de música tradicional que com Michel Giacometti fez, entre os anos de 1950 e 1960!), também do documentarista, o facto é que para todos, mesmo para os génios, sempre um dia se tornará demasiada a solidão.
E o que fazia ele no aperto da necessidade de outrém? Dirigia-se ao prédio do Estoril, na certeza de que sempre encontraria ao menos um dos quatro, ao menos um acontecimento, uma possibilidade de discussão, ou que nem fosse um piano esperando por mãos carinhosas. Uma história simples, de um homem simples, mas nada comum.
No DIVERSUS conhecemos muito insuficientemente Fernando Lopes-Graça, mas temos a convicção de que ele é, com Carlos Paredes, com Emannuel Nunes (ainda vivo, em França), e, vindo de séculos atrás, com Carlos Seixas, a matéria de que se faz o cimento de uma cultura musical pequena em número, mas afinal a nossa cultura musical.