O dia seguinte ao concerto com DJ Shadow e seus 4 MC's convidados é tempo de celebração.
No Lux (verdadeiramente espectacular está o Lux), esta madrugada, ficou patente haver nova vitalidade na criação musical Pop norte-americana, neste caso proveniente da Califórnia, da Bay Area de San Francisco, com o chamado hyphy movement - hyphy é um calão californiano para designar algo como hiperactivo, neste caso reportado a ritmo elevado e vida frenética, característica do tecido cultural e da vivência destes grupos hyphy da Bay Area.
Em Lisboa, disse-nos Shadow, o hyphy teve a sua primeira experiência europeia enquanto live act (ainda hoje será a segunda, na Bélgica). Nesse sentido também, foi decerto um momento histórico aquele que testemunhámos.
O som aproxima-se dos modelos conhecidos do hip-hop mais aberto de fins dos anos 80, início dos de 90, muito na linha do som Public Enemy de então (da fase que termina em "Fear of a Black Planet"), mas com uma acentuada componente underground, uma reforçadíssima introdução do sampling e uma ainda maior teatralidade em palco.
Trouxe-nos o hyphy desta noite a sensação de estarmos perante um retorno às raízes hip hop, do tempo de antes da dulcificação por parte das grandes editoras, e desta vez do lado do costa oeste, isto é com nova matriz espácio-cultural. Recorde-se a força predominante da costa leste, designadamente de New York e do gueto de Brooklyn na primeira vaga.
Por outro lado, as palavras iniciais de Shadow, remetendo-nos para a ligação deste movimento a fenómenos desideologizados como as corridas ilegais de automóveis ou o consumo das drogas leves, levam-nos a crer estar-se aqui perante uma nova atitude, como que o remetendo para uma prática mais musical em si mesma, para lá das ambições extra-musicais, de intervencionismo filosófico e até político que a primeira vaga de há quase 2 décadas revelara.
DJ Shadow, no controle absoluto de todos os sons não vocais, aparece mais como o super-produtor que como músico de banda, novo conceito afinal para identificar os músicos da nova geração: neste tempo de hoje, já não há meros tocadores de instrumentos, mas sim melómanos manipuladores de todos os sons, super-engenheiros, master minds e outra vez afinal super-músicos eles mesmos.
Uma realidade que em boa verdade se exponencia primeiro nas fronteiras do Pop com o experimentalismo, do lado do Pop com Brian Eno, desde fins dos anos 70 e das suas colaborações com David Byrne.
O papel de DJ Shadow esta noite foi o de patrono e inspirador, não se percebendo bem o seu lugar neste movimento sócio-cultural, se de parte da coisa, se apenas visitante ou até referencial.
Seja como for, a sensação que ficou foi a de termos podido participar de um pedaço de suco vital da cultura negra e do bas-fonds urbanos de hoje, que já deu antes origem a tantas expressões musicais, do blues eléctrico ao jazz de fusão, do disco ao funk, ao hip-hop, ao rap.
Foi um momento de puro espectáculo, bem à medida do bom velho conceito de body and soul food, e talvez, por agora, o concerto surpresa deste 2006.
Shadow, num fim sem encores, prometeu voltar em 3, 4 meses, deixando o sinal de que para outra experiência hyphy.
Enquanto não retorna, não percam o video que encontrámos aqui.