sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

A LISTA DIVERSUS 2004: os 30 melhores àlbuns

Em 2004 a memória da música ficou mais rica e mais plural, com referências criativas muito díspares e de grande alcance.

Mas de todas as palpitantes experiências do ano, uma se destacou muito: "Black Mahogani" (I) e (II), de Moodymann.
Pensamos no DIVERSUS que este (duplo) álbum entrou directamente na galeria das obras-primas intemporais da música popular.
Temos no entanto de sublinhar a força e a beleza de todas estas 30 escolhas, e em particular o extraordinário rasgo dos personagens nórdicos desta lista (Hird e Horntveth), ou ainda a revelação de Rare Moods/Doctor L.
Madlib também esteve notável, com dois resultados soberbos: em Yesterdays New Quintet ou como Madvillain.
Carl Hancock Rux voltou a marcar o ano, com um par de canções inesquecíveis; Tom Waits fez um àlbum ao seu melhor desde os anos 80; Langoth, Omni Trio e Calm deixaram assinalável registo pela elegância e pelo melodismo.
Cá está então A Lista DIVERSUS 2004.
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1. MOODYMANN - "Black Mahogani I/II"
2. Hird - "Moving On"
3. Rare Moods - "Peace in da neighborhood"
4. Lars Horntveth
- "Pooka"
5. Carl Hancock Rux - "Apothecary RX"
6. Langoth
- "Sentimental Cooking"
7. Madvillain - "Madvillainy"
8. Joseph Malik
- "Aquarius songs - directions in music by David Donnelly"
9. Omni Trio - "Rogue satellite"
10. Troublemakers - "Express Way"
11. Skalpel
- "Skalpel"
12. Tom Waits - "Real Gone"
13. Yesterdays New Quintet - "Stevie"
14. Calm - "Free-soil sounds for moonage"
15. Sonoluce - "Sonoluce"
16. New Sector Movements - "Turn it up"
17. Alice Russell
- "Under the munka moon"
18. Dimitri From Paris - "Cruising attitude"
19. Fila Brazilia - "Dicks"
20. Beanfield
- "Seek"
21. Wagon Christ - "Sorry I make you lush"
22. De La Soul - "The grind date"
23. Lambchop - "Pawcmon/Noyoucmon"
24. Biggabush - "Biggabush free"
25. Jill Scott
- "Beautifully human: words and sounds, vol. 2"
26. Fatboy Slim - "Palookaville"
27. Blues Explosion - "Damage"
28. Perry Blake
- "Songs for someone"
29. Franz Ferdinand - "Franz Ferdinand"
30. Nouvelle Vague - "Nouvelle Vague"

LISTAS DIVERSUS 2004: as 30 melhores canções



As grandes canções de 2004 foram de múltiplos matizes, e como é apanágio das melhores canções, intensas e discretas.
Quais os critérios adoptados para a nossa selecção? Apenas se incluiu uma canção por àlbum, e todos os àlbuns, de todas as listas, foram considerados.
Então, para o DIVERSUS, as melhores canções conhecidas em 2004, foram:



1. LARS HORNTVETH - "The joker"
2. Rare Moods - "Silk"
3. Moodymann - "I need you so much "
4. Carl Hancock Rux - "Disrupted dreams "
5. Hird - "Keep you Kimi "
6. Langoth - "Magic"
7. Nina Simone remixed by Jaffa - "Black is the color of my true love's hair "
8. Joseph Malik - "Silent fools"
9. Skalpel - "Together"
10. Madvillain - "Accordion"
11. Doctor L - "Think about it"
12. Tom Waits - "Hoist that rag"
13. Calm - "Long way, long time (the second page of creators delight)"
14. Sonoluce - "Lucedivino"
15. Guestbook - "Short rain"
16. Yesterdays New Quintet - "You've got it bad girl"
17. Troublemakers - "Everyday is just an extension of yesterday"
18. Omni Trio - "Earth song"
19. Alice Russell - "Hurry on now"
20. Nick Drake - "Place to be"
21. Dimitri From Paris - "Le soundtrack"
22. Lhasa - "Abro la ventana"
23. C. Dodd - "Taurus Nº2"
24. New Sector Movements - "She's got soul"
25. Wagon Christ - "Shadows"
26. Sofa Surfers w/ Sensational - "Formula"
27. Fila Brazilia - "Sidearms & Parsnips"
28. De La Soul - "Much more (feat. Yummy)"
29. Jaylib - "Mcnasty Filth"
30. Van Bellen - "Moorea"

quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

LISTAS DIVERSUS 2004: as melhores COLECTÂNEAS de 2004


Em 2004, no que respeita a colectâneas, valeu a pena sobretudo a (re) descoberta de Arthur Russell.
Mas houve outras surpresas, sobretudo os fabulosos Studio One Dub ou o The Indiana Cafe ou ainda a revelação dos primórdios do hip hop, em Connecticut.
A profusão de bons títulos da Thievery Corporation foi outra das marcas notáveis de 2004.
Fantástico também foi a reedição (muito enriquecida por inéditos, daí o seu lugar nesta categoria particular) de um dos maiores discos de sempre da música popular: London Calling. Autenticamente imperdível.
Em suma, também pelas colectâneas editadas, 2004 foi mais um excelente ano para a música popular.

Escolhemos as 15 melhores edições datadas de 2004.

1. Arthur Russell - "Calling out of context"
2. Vários (Vv.) - "Studio One Dub"
3. Vv. - "The Indiana Cafe"
4. Vv. - "The world of Arthur Russell"
5. Groove Armada - "The best of"
6. Vv. - "The third unheard - Connecticut Hip Hop 1979-1983"
7. Jazzanova - "Mixing"
8. Thievery Corporation - "Babylon rewound"
9. Dzihan & Kamien Orchestra - "Live in Vienna"
10. Thievery Corporation "The Outernational sound"
11. The Clash - "London Calling - 25th. Anniversary Edition"
12. Young Marble Giants - "Live at the Hurrah, 1980" (DVD)
13. Gotan Project - "Inspiración Espiracón"
14. Vv. - "Forum West - Wewerka archive 1962-1968"
15. Thievery Corporation - "Vitor's assorted Thievery songs"

quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

LISTAS DIVERSUS 2004: álbuns originais de outros anos, apenas conhecidos em 2004



Em 2004 travámos conhecimento com distintíssimos álbuns de canções originais com edição anterior a 2004. Escolhemos os 10 que mais nos tocaram de entre os muitos que pela primeira vez este ano ouvimos .

1. Solar Moon -"Guest Book", (2003)
2. Nick Drake -"Pink Moon", (1972)
3. Doctor L - "Monkey dizziness", (2003)
4. Erlend Oye - "Unrest", (2003)
5. Ben Mono - "Dual", (2003)
6. Burnt Friedman - "Plays love songs", (2000)
7. Jaga Jazzist - "Magazine", (1998)
8. Jaylib - "Champion sound", (2003)
9. Lhasa - "The living road", (2003)
10. Sparks - "Lil' Beethoven", (2002)

LISTAS DIVERSUS 2004: colectâneas de anos anteriores, ouvidas em 2004


De anos anteriores chegaram ao conhecimento do DIVERSUS belíssimas colectâneas, algumas primando pela absoluta novidade, outras pela importância histórica dos trechos reunidos, outras ainda pela elegância ou requinte com que se agrupam boas cançonetas já conhecidas.
Estas as 10 melhores, em nosso juízo.

1. Roy Ayers - "Virgin Ubiquity - unreleased recordings 1976-1981"
2. Sofa Surfers - "Encounters"
3. Vários (Vv.). -
"Motown sings, Motown treasures"
4. Vv. - "Untinted - Sources for Madlib's Shades of Blue"
5. Naked Music NYC - "Reconstructed soul"
6. Vv. - "Verve Unmixed2/Remixed2"
7. Talking Heads -
"Once in a Lifetime"
8. Vv. -
"Spirit of Africa"
9. The The - "45 RPM - The singles of The The"
10. Vv. - "My house in Montmartre"

sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

E os Rare Moods em 2004?

Em 2004 "Peace in da Neighborhood" foi dos àlbuns de canções que o DIVERSUS mais procurou, e por que mais ansiou.
A espera foi vivamente compensada, e a obra-de-arte é mesmo luminescente.

Se cada melómano busca sempre qualquer coisa de pessoal, há algo que a todos parece irmanar: a descoberta dos detalhes compensadores.
Seja pela procura daquela ponta de génio (Moodymann?), do mistério da beleza (Lars Horntveth), ou da harmonia (Hird), uma melodia (Langoth), uma força ribombante (Tom Waits), ou então apenas aquela capacidade de em quase cada canção nos dar algo de diverso e enlevante.
Os Rare Moods (aka Doctor L, verdadeiramente Liam Farrel) estão nesta última secção, como que caleidoscópica.
"Peace in da Neighborhood" é uma obra brilhante, das melhores, em mais um grande ano para as músicas.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

Moodymann

Este é um nome cimeiro das sonoridades da última década.
Em 2004 superou-se, editando em duas etapas, sob o título "Black Mahogani", músicas de recorte verdadeiramente intemporal.
Sentimo-nos no DIVERSUS no dever de recomendar a todos os mortais sensíveis, que se dediquem demoradamente à audição desta obra-prima em dois fascículos, "I" e "II".
Ela faz-nos recordar aquela tese segundo a qual mais ou menos uma vez por década os autores da música negra norte-americana dão a conhecer um álbum de canções para a eternidade, numa espécie de pagamento de uma dízima cultural ao mundo.
Na década de 90 haviam sido os Rockers Hi-Fi ("Mish Mash", 1996), na de 80 manifestamente os De LA Soul ("3 Feet High and Rising", 1989), nos anos 70 Marvin Gaye ("What's Going On", 1971), nos anos 60 fora o Jazz, pela mão de John Coltrane ("A Love Supreme", 1965).
Parece que na década zero do século XXI já chegou tão esperada contribuição.

sábado, 11 de dezembro de 2004

Lars Horntveth

É muito importante que todos conheçam a colecção de canções que Horntveth editou sob o título "Pooka".
Ofereça-se a si mesmo uma prenda condigna!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2004

Lhasa de Sela


Estamos no DIVERSUS em estado de choque, eis o que resulta de termos assistido ao magnífico e incomparavelmente belo concerto de Lhasa de Sela na passada segunda-feira, em Lisboa.
Do pouco que ainda conseguimos dizer é que não mais voltaremos a falhar um concerto dela em Portugal, assim haja dinheiro e saúde.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2004

Mais três prendas de ouro do DIVERSUS

A música de um tal Arthur Russell saiu da penumbra em 2004, materializando-se em duas edições, fundamentalmente: "The World of Arthur Russell", lugar onde se juntam canções entoadas pelo próprio e por outros para quem compôs, e ainda um notabilíssimo compêndio de outras cançonetas, somente pelo próprio, a que se deu o título de "Calling Out of Context".
Brilhantíssimo ainda um disco da editora Soul Jazz Records (etiqueta que também lançou o "The World of Arthur Russell"), designado como "Studio One Dub - the Original".
São todas elas músicas de outros tempos, muitas sem outra glória que não a que vão agora obtendo nos "cd players" de meia dúzia aqui, uma dúzia acolá.
O DIVERSUS é um gang do prazer, menos de uma meia dúzia de portugueses nada egoístas, que anseiam sempre espalhar a notícia.

terça-feira, 30 de novembro de 2004

Tom Waits e Fila Brazillia - mais duas possíveis prendas de Natal (para si)

Mais dois dos muitos bem bons àlbuns de canções de 2004.
Do primeiro "Real Gone", dos segundos "Dicks".
Acreditem e ouçam os pedaços revelados pelas ligações sugeridas.

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Músicas de 2004 - 2

Sugerimos hoje a audição de dois àlbuns, ambos marcantes, mas bem diversos entre si:
Nenhum deles se encontrará facilmente disponível, nos escaparates.
Talvez porque nunca uma relíquia deverá encontrar-se ali mesmo à mão. O bom ganha em ser de difícil acesso.
E as músicas que destes alemães e também dos polacos nos chegam são simplesmente magníficas.

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

Músicas de 2004

Em 2004 voltou a editar-se grandes músicas.
Iniciando o balanço que irá fazendo doravante, deixa o DIVERSUS uma primeira sugestão para audição: "Cruising Attitude ", de DIMITRI FROM PARIS, um dos mais estimulantes habitantes de Paris.
É uma música ligeira mas à séria, mais sugerindo ambientes veraneantes. Uma autêntica música de varanda.
E, para quem gostar, fica o convite para ouvir edição mais antiga e essa sim muito marcante mesmo: "Sacré Bleu".

domingo, 27 de junho de 2004

Santana Lopes e a cultura

Manifestamente a história estava enganada. Se Durão Barroso entendeu que Santana Lopes poderia ser seu sucessor, talvez tenha concluido que Chopin escreveu mesmo para violino!
O mundo estava enganado, Lopes não.

Já se está mesmo a imaginar um dia Lopes P.M. a receber o seu homólogo polaco e a dissertar sobre a estúpida história em que um dia círculos oposicionistas o envolveram, inventando que ele tivesse dito que o compositor francês Chopin escrevera para violino.

Algum assessor lhe terá então de sussurrar que Chopin nasceu em Varsóvia.

sábado, 8 de maio de 2004

Um dilema do nosso tempo

As práticas culturais dos homens confrontam-se, na sua natureza, com o risco da efemeridade.

Claro que Michelangelo, Van Gogh, Eifell, Strindberg, Mozart, John Ford, entre centos de outros, colocaram-se inapelavelmente no outro patamar da memória, que associariamos à imortalidade.

Mas este nosso tempo, que engendrou a massificação da criação cultural, ou artística, e também a massificação do acesso, estas décadas de que vimos e as que se seguirão assistem à irrupção de referências múltiplas, imensamente plurais e complexas.

Neste tempo o consumidor dessas práticas está melhor preparado. Mas ele tem de excluir 95% delas, sob pena de de nenhuma extrair verdadeiramente o suco de prazer que procura.

Na voragem dessa atitude de exclusão em massa, os consumidores que somos constituem-se em autênticos predadores de ocasião. São mastigadores de “chiclete”.

Perde-se a noção da perenidade das obras.
Não se contempla um filme que consideremos fantástico mais que 2 ou 3 vezes na vida. Não se ouve uma obra musical mais que aos pedaços, meia dúzia de vezes na vida, sempre à procura do nosso “hit” íntimo, daquele pequeno êxtasesinho.
A leitura de livros faz-se no intervalo de 10 jornais e 5 revistas por semana, com a noção constante de que uma leitura assaz rápida há-de permitir tempo para mais práticas lúdicas.

É de facto o lúdico que verdadeiramente procuramos, muitas vezes sem consciência assumida.

Claro que continua a haver nichos de genuinos “consumidores de convento”, aplicados, profundos, problematizadores, capazes de durante 1 mês lerem e relerem um livro de 200 páginas.

Haverá ainda alguns que 2 semanas a fio se dirigem à galeria e olham e olham aquele quadro, procurando encontrar-se na força que sentem na tela e lhe dá a dimensão artística.

Também sabemos que há quem consiga durante 2 anos ouvir as 400 versões da mesma peça de câmara de Mozart, procurando sempre novos ângulos, pacientemente, como só um monge.

Mas atenção ao perigo, caríssimos leitores: em 2004, nós consumidores culturais olhamos esses verdadeiros amadores culturais como párias, personagens de ficção eles próprios, fora do nosso tempo.

A democracia dos valores da cidadania, a força avassaladora do mercado – e o mercado começou há 10.000 anos, com a sedentarização da nossa espécie, recordemo-lo – transformaram-nos em cidadãos da vertigem.
Na democracia os governos têm um ano e meio, no máximo 2 para governarem. Mas nós, eleitores, temos um dia para dar testemunho da cidadania, muitas vezes contrariados, porque em lugar da praia lá temos de ir escolher quem nos vai estabelecer todos os impostos, melhorar ou agravar todas as condições sociais da nossa existência.

No consumo cultural um bom CD com músicas populares passa 3 dias no leitor do automóvel, pois em casa o espaço é da televisão e a força do sangue “prêt-à-porter” é tremenda.

No nosso tempo os livros são comprados e estacionam na prateleira, as lombadas a reluzirem, intocadas a não ser para se lhes remover o pó.
Ninguém lê os chamados “clássicos”, da antiguidade greco-romana e bizantina. Ninguém lê os pensadores da modernidade, dos últimos 300, 400 anos.
Em Portugal temos aliás um ícone da abordagem “fast and furious” que sossega as consciências: Hermano Saraiva.

No nosso tempo, a empregada de limpeza pegará mais vezes no livro, para o limpar, que o comprador.

No cinema, cada 6ª fª um filme magnífico aparecerá e logo se esvairá o interesse, eventualmente só retomado quando 3 horas de piadas de usar e deitar fora (a noite dos Óscares) o venham a ressucitar, para um visionamento mais, eventualmente o último.

Há um erro fundamental no nosso tempo: o nosso erro de cidadãos culturalmente contaminados pelo “fast food” cultural, que adoptamos e cultivamos.

Não tem remédio. A não ser que tenhamos a consciência de que também ele merece uma atitude cultural de rompimento.
Não diriamos obrigatoriamente partir a televisão e dizer vivas à clausura conventual. Antes aquela atitude de pára, escuta, olha, pensa.

E uma vez mais nos irrompe aquela fantástica peça do músico John Cage, em que, em gravação ao vivo, o criador cultural se senta junto ao instrumento musical e, durante mais de 4 minutos, se regista o som do seu silêncio, ficando a arte interrompida. A audiência foi fintada e entregue a si própria, ao seu vazio, às tosses repetidas, aos suspiros, à incomodidade de quem não vive bem com o silêncio.

Essa provocação do artista lembra-nos um caso recentemente ocorrido num canal de televisão francês. Em entrevista ao vivo, um determinado agente cultural pensa durante 30 segundos que resposta dar ao entrevistador de ocasião.

Quem se lembraria, em qualquer dos planos da nossa vivência, já não somente cultural, quem se lembraria de ficar em silêncio 30 segundos?
Mas, será que boa parte das questões que nos pomos, que nos colocam, por exemplo profissionalmente, não mereceriam 30 segundos antes de resposta?

Não. No nosso tempo tudo tem de ser “fast and furious”.

domingo, 25 de abril de 2004

MICATONE na Aula Magna

No passado domingo fomos ouvir um dos grandes sons de 2003, o dos MICATONE.

Os MICATONE foram autores, no àlbum
"Is you is", de alguns dos sons mais elegantes e verdadeiramente mais agradáveis dos últimos tempos.

Ao vivo ficou o testemunho de uma bela cantora, um grupo homogéneo e capaz de reproduzir bem os sons que já conhecíamos, mas sem grande chama, sem aquele "little bit" mais que em alguns concertos conseguimos encontrar.

Há concertos assim, que dão razão à máxima segundo a qual o valor verdadeiro de um músico se mede em estúdio. Acreditamos nessa máxima.

Claro que valeu a pena ouvir "Plastic Bags & Magazines". Mas o que importa se foi apenas uma noite mediana se temos "Is you is" para a eternidade?

Boa primeira parte dos SPACEBOYS, um grupo de portugueses com som bem elaborado, forte, muito vivo. Talvez autores dos melhores momentos da noite.

sábado, 3 de abril de 2004

Ursula Rucker em Lisboa

A performance de Ursula Rucker no S. Luis, ontem, aproximou-se muito de um recital poético.
Esse lado recitativo, apanágio já das suas edições em disco - Ursula editou até hoje dois àlbuns de canções magníficos, "Supa Sista" e "Silver or Lead" - não diminiu no entanto o elevadíssimo patamar musical a que Ursula e Tim Motzer, este um multi-instrumentista de grande brilho, se alcandoraram.

Ursula aliás chama poemas às suas canções.

O concerto de ontem no S. Luis valeu pela confirmação do seu valor enquanto "persona" complexa, movida por uma atitude cultural empenhada, uma arte com bandeiras: a mulher, a criança, os americanos negros.

De Ursula Rucker guardámos a convicção que a efemeridade não mora ali e que outras obras de vulto se seguirão inevitavelmente. A sua música, densa, rica, enérgica, sempre luminosa, ganhou ao vivo uma objectividade que apesar de tudo o segundo disco aqui ou ali arriscou deitar a perder.

"What a woman must do", exactamente inserto em "Silver or Lead", foi intenso e talvez o momento da noite.
Das múltiplas intervenções de Ursula entre canções registamos uma que não poderiamos esquecer neste desabafo: "Portugal has something special".

Ontem Portugal confirmou que algo de especial há realmente nos portugueses, particularmente em Lisboa: cidade que acolhe em dois dias consecutivos três vultos tão extraordinários como Ursula Rucker, Kraftwerk e David Byrne e que a todos presenteia com farto público, só pode ser cidade viva, culta, inteligente.

Agora que se aproximam outros momentos de brilho assegurado, Micatone, Lambchop, Pixies, Massive Attack, vamos provavelmente assistir à luta de titãs entre a força viva das culturas novas e o frenesim oco dos festivais mainstream.
E essa já seria uma boa deixa para um outro poema-canção de Ursula, como ela sabe fazer: talvez "the white city dilema".


domingo, 21 de março de 2004

Carlos Paredes

Carlos Paredes compôs e interpretou das mais belas peças de música portuguesa.

Num registo não erudito mas próximo do som "de câmara", marcado pela pequena dimensão das suas obras (entre os dois e os quatro minutos), Paredes editou os seus àlbuns ao longo de mais de duas décadas, poucos àlbuns, até desiguais entre si, no valor.

Mas "Guitarra Portuguesa" é o melhor de todos os àlbuns da música jamais feita por portugueses e "Movimento Perpétuo" está por perto no extraordinário alcance cultural que atingiu.

Por entre todos os portugueses ocorre-nos apenas mais três cujo nome pode aproximar-se do de Carlos Paredes, apenas um ainda vivo: Emmanuel Nunes, Carlos Seixas e José Afonso.

Aos três voltaremos por certo mas de Paredes lembramos ainda a faceta notável do músico que ao vivo se transfigurava, respirando alterosamente sempre que sentia o tremor e a empatia das audiências.

Tivemos o privilégio no DIVERSUS de da primeira fila o ouvirmos tocar, talvez em 1986, nas instalações do então ISEG, perto de S. Bento.

Mas não teriamos precisado dessa extraordinária experiência para alcançar o brilho da magia de Carlos Paredes. Ouvir "Mudar de Vida" sem arrepios é coisa que nunca nos aconteceu, muitas dezenas de audições depois.

Neste qualquer domingo queremos lembrar que em Portugal nasceu ao menos um génio para a história da música universal: Carlos Paredes, hoje agonizante num qualquer obscuro lar de Lisboa, morrendo humildemente, como pobremente viveu.

terça-feira, 9 de março de 2004

"24 hour party people"

Vale a pena encontrar este filme e com ele reviver aquele período extraordinário da transição cultural na geração de fins dos anos 70.

Em Manchester, em 1977, 42 pessoas assistem a um concerto dos "Sex Pistols" e à explosão sonora de "God Save the Queen" e outras canções da mesma voltagem, autêntico murro duplo no estômago das consciências da Grã-Bretanha pré-Thatcher.

De entre esses 42, boa parte viria a encetar percursos criativos dos mais fantásticos, acima de todos Tony Wilson, o futuro patrão da Factory Records.
E foi justamente a sua característica de patrão único, quase irrepetível, que faz notícia neste filme.
Porque foi genuína, honesta e inspiradora de projectos musicais verdadeiramente notáveis, Wilson assistiu ao dealbar, depois ao esplendor e em seguida ao ocaso. E acima de todos ao seu próprio ocaso.

Enquadrou manifestações multivivenciais em torno da música, projectos de empresa de raiz mais ou menos libertária, sempre tendo em vista que a criação era o que mais importava.

Poucos anos depois a indústria devorou-o. Mas as raizes ficaram e a Factory ficou marco inesquecível para talvez milhões pelo mundo todo.

O período marcado pela Factory Records foi longo, o seu alcance geográfico imenso. Em Portugal os Sétima Legião, ou os saudosos Croix-Sainte foram talvez a sua melhor materialização. Na cinzenta Manchester de fins de 70, inícios do 80, a Joy Division, os A Certain Ratio, ou os New Order, foram os filhos dilectos da obra editorial de Wilson.

"24 hour party people" acaba não sendo bem um filme, mais um "docudrama". O que lá se vê, tudo muito realista, diz-nos que não foi particularmente bonito viver por dentro.

Mas perguntemo-nos: foi alguma vez uma revolução cultural bonita, polida e perfeita no seu alcance?

Tony Wilson está hoje funcionário da Granada TV. Essa a história mais triste de todas que o filme nos diz. Como pode a sociedade olvidar tão cruelmente os seus melhores?

Quem puder, que veja este filme.

sexta-feira, 5 de março de 2004

Os Lambchop em Portugal

Em Maio, os Lambchop vêm a Portugal, trazendo consigo aquela ladaínha saborosa que mescla "country" com "blues", e ambos com inúmeros sinais de modernidade cultural.

É um som vicioso o da banda de Kurt Wagner, que só pode ganhar com a autenticidade do palco.

E é definitivamente o primeiro grande concerto em Portugal de 2004.

Para quem não conhece ou conhece mal estes sons, a nossa recomendação de que deve travar o conhecimento começando por aquele que é um dos àlbuns fundamentais das últimas décadas da chamada música Pop: "How I quit smoking".

Vamos então conhecer melhor, em Lisboa, os "costeleta de borrego".