domingo, 6 de abril de 2008

a música, ou a cultura, e a noção de lazer


Dizia ontem Rui Vieira Nery, ex-secretário de Estado da Cultura (de quando Manuel Maria Carrilho era ministro), na sempre excelente Antena 2, que a música, como em geral a Cultura, na acepção que hoje temos de Cultura, está principalmente ligada aos novos conceitos de lazer que a Idade Média trouxe ao Homem, aqui há uns 700 anos.
Embora controversa, esta tese é interessante por nos lembrar que seja como for a criação cultural, principalmente a música, dependeu sempre de uma muito ampla disponibilidade criativa, dificilmente compatível com outra profissão que estivesse desligada do objecto artístico.
Os grandes músicos eruditos é certo que dependeram sempre de funções não criativas que lhes pagavam o sustento. Uns como músicos de Corte, ou mestres de catedrais, mosteiros ou igrejas. Outros como simples mestres de alunos comuns. Mas o facto de centrarem o seu dia-a-dia no objecto mesmo da sua obsessão criadora acabava por lhes permitir rotinas indispensáveis à composição e mesmo à interpretação.
Não raro, os discípulos acabavam por se tornar cúmplices, cobaias, seguidores e mais tarde elementos do reforço crítico da sua criação.
É a riqueza trazida pela nascente burguesia comercial da Idade Média, o seu gosto e mesmo anseio pelo usufruto de uma cultura do lazer, em família, entre amigos, muitas vezes como signo de sucesso, que vai retirando à música o seu anterior cunho quase exclusivamente monástico e religioso.
A laicização da grande música, a sua saída gradual da exclusividade, até social, para primeiro casas amplas de burgueses, mais tarde para salas, privadas ou públicas, não dedicadas ao culto religioso, foi o passo que permitiu, séculos a fio, que a música se fosse tornando aquilo que é hoje, a expressão artística mais genial que a Humanidade conseguiu realizar.
Claro que esta é uma afirmação inteiramente arrogante e excessiva. Mas é o que eu penso.