quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Howe Gelb sublime, ontem, no Santiago Alquimista


A presença de Howe Gelb em Lisboa, por esta noite dentro, foi a vários títulos invulgar, ou, antes até, única.
Foram mais de duas horas e meia de música, num desfile majestoso de simplicidade e quase sempre unplugged, na forma de uma bela crueza country-pop.

Grande esplendor construido com apenas uma guitarra, às vezes amplificada, dois microfones com ajustamento de som diferente (primeiro plano/segundo plano), uma harmónica, um piano e sobretudo com o mérito de uma audiência pequena mas extraordinariamente interactiva com Howe - ao ponto de impor boa parte do alinhamento da noite, escolhendo e exigindo de entre os sons que Howe e a sua heteronímia, Giant Sand, The Band of Blacky Ranchette, Arizona Amp and the Alternator ou apenas as Howe, têm vindo a publicar de há uma década.

Mas antes do magnífico concerto do homem que just turned 50, apareceram os Dead Combo, para nos apresentarem - para nós, em absoluta revelação - a melhor música feita em Portugal que conhecemos nestes dias, apenas a par da promessa que os Buraka Som Sistema vieram trazer em 2006.

Há nos Dead Combo algo de notável, um enorme fôlego e uma destacada personalidade, que nos remete para inúmeras referências da cultura musicológica portuguesa (e não somente da cultura popular), ao mesmo tempo que é esta música lugar de uma expressão muito própria, ponte para outras memórias internacionais das últimas duas décadas (Felt, Billy Bragg, Labradford, Conjoint) que aqui poderão vir ainda a materializar-se melhor no futuro.

Grande expectativa e portentosa primeira parte, numa noite em que as guitarras e a depuração levaram magia a um espaço simpático, este do Santiago Alquimista, ali á Sé.

domingo, 21 de janeiro de 2007

A Joy Division


Ian Curtis tinha tudo para surgir aos olhos de quem perscrutar o último quartil do vigésimo século como um ícone moderno, alguém que olhou ao seu redor, não gostou, chorou e finalmente soçobrou, isto é suicidou-se.
Aliás, o ícone perfeito não pode ser senão tremendamente anormal (no sentido inglês de abnormal, de não normal), idealmente com fim abrupto.

No Portugal de 1980, teenagers de então como este escriba, ouviam pela primeira vez Love Will Tear Us Apart em alinhamentos qe incluiam com frequência também semi-lixo (de que ainda hoje se gosta) como Ian Gillan ou Motorhead, a par de ouro puro como os Echo and the Bunnymen de Crocodiles, ou da filigrana que foram os UB40 de Signing Off ou o Tom Waits de On Heartattack and Vine.

Interlúdio para dizer que, em 1980, a rádio, no caso o FM da Rádio Comercial, era livre e escolhia pouco. No essencial, Luis Filipe Barros (com o Rock em Stock) ou António Sérgio (com os seus vários programas, Rolls Rock ou Som da Frente), apenas pretendiam dar ar a tudo o que cheirasse a novo, ao mesmo tempo que não conseguiam largar amarras dos sons metálicos ou até do mainstream FM.

Foi então pelo stream livre da FM que primeiro nos surgia Ian Curtis, ao mesmo tempo que se acrescentava a notícia da sua morte trágica (por enforcamento, creio).
Curtis era apenas um músico, mas o surgimento de Transmission, pouco depois também do àlbum Closer, foram suficientes para deixar aqueles 17 anos de idade em estado de choque e depois em ponto de ansiedade.

De modo inelutável, a força do ícone, a substância do sofrimento que Ian Curtis vertia na música, tocava e alastrava a muitos e penetrava também a vida cinzenta deste então adolescente, curioso, ansioso e inconformado.

E eis que 27 anos depois, hoje, 1980 surge claramente como o ano-chave da música popular ocidental, aquele tempo em que a profusão de géneros, a autêntica explosão de liberdade criativa, se materializou em dezenas de discos que marcaram o momento histórico de viragem, na curva do tempo em que a Pop que tinha acontecido vira agulhas e aponta para o que seria doravante.
1980 foi assim o ano por excelência de todos os códigos, o mais forte sendo mesmo Remain in Light dos Talking Heads de David Byrne.

Chegado 1982 - um tempo em que conseguir discos (de vinil, é claro) com prensagem decente era tarefa hercúlea e especialmente onerosa, e em que mais de metade daqueles de que gostávamos apenas estavam disponíveis por importação, a preços 3 vezes superiores - e eis que amigo firme se desloca a Amsterdam e traz a este escriba três discos absolutamente indisponíveis em Portugal, mesmo nos canais de importação (!!!): os dois primeiros àlbuns dos Doors (edição dupla superior, com The Doors e Strange Days), Blonde on Blonde de Bob Dylan e o então quase incógnito e fundador Unknown Pleasures, da Joy Division.
Nunca esse amigo, o Fernando Oliveira, alguma vez imaginou que transportava na sua mochila um dos primeiros exemplares de Unknown Pleasures que em Portugal então se ouviria e afinal um pedaço da história da cultura urbana contemporânea. Visto daqui, que responsabilidade tiveste ó Fernando!

E que dizer dos primeiros momentos de audição deste primeiro da Joy Division, a fazerem este que vos escreve sentir-se a meio caminho entre o céu e o inferno, algures entre a estranheza e a sedução, aquele mesmo terreno que sistematicamente há décadas propende à descoberta obsessiva e depois ao vício puro e duro (que alguns chamam de melomania)?

Claro que 1979 - antes da tempestade (1980) vem sempre a bonança, lá diz o povo - tinha sido e será sempre sobretudo o ano de London Calling, também ainda de Forces of Victory, de The B-52's, de Entertainment, também do magnífico The Specials.
O certo é que, visto deste nosso tempo, pode acrescentar-se que a primeira experiência séria de juntar alma à electrónica foi o valor específico acrescentado por este Unknown Pleasures à história de 1979.

Há na nudez quase primitiva cantada sobretudo pelo baixo e pelas guitarras, e amplificada ao infinito pelas vozes de Curtis, neste som de 1979, em Insight, em New Dawn Fades ou no eterno She's Lost Control, algo, uma força, um rasgo de espiritualidade em registo tal que não mais a Pop voltou a encontrar.
E Closer, um ano depois, em coincidência com a morte de Ian, haveria de confirmar que em 1979 começara de facto algo de meteórico e por isso irrepetível.
Com Unknown Pleasures, e a assinatura na produção do génio de Martin Hannett, na fundação da etiqueta Factory Records, começava o fascínio que, desde Manchester, dizia ao mundo que a alma muitas vezes dói, e que nem sempre há remédio e sobretudo que é preciso cantar essa dor, esse medo, essa incerteza.
E se dói ouvir Joy Division, mesmo passados estes 28 anos!?

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Ian Curtis e a herança da modernidade


A propósito da edição de Fevereiro de 2007 da revista britânica Mojo, dedicada a Ian Curtis e incluindo um cd com músicas por si inspiradas e uma interessantíssima versão (de Susanna and the Magical Orchestra) do grande clássico Love Will Tear Us Apart, iremos nas próximas semanas falar da muito específica linha dinâmica que a partir do precocemente falecido autor de Manchester nos conduziu à modernidade.
Tarefa complexa, bem o sabemos. Mas é preciso voltar a recordar quem foi capaz de criar Transmission, She's Lost Control, Ceremony e Love Will Tear Us Apart e tantos mais hinos que, como Joy Division, ou, depois da sua morte, como New Order, Curtis legou ou influenciou.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

50 filmes de que gostei


E enquanto os especialistas não vêm a terreno, eis um amador de cinema a dizer de sua justiça e a divulgar uma lista com 50 filmes de que gostou, todos ordenados, como manda a boa regra da coragem.

E porquê O Sacrifício/Offret de Tarkovskij em primeiro lugar?

Pela beleza espiritual indizível, pela riqueza dos silêncios, pela familiaridade da loucura e do abismo nas nossas vidas normais, ali tão tocantemente representados, pela magia da cinemática, pelo encanto do sítio, dos personagens e pelo Erbarme Dich, Mein Gott(tem piedade, meu Deus), da Paixão Segundo São Mateus, a obra musical definitiva da humanidade, descoberta com surpresa em 1987, numa sala do Quarteto, mérito deste Tarkovskij.

Offret, o último filme em vida de um cineasta russo já então com morte anunciada, é então o meu filme para a vida toda, para rever muitas mais vezes e recomendação definitiva para todos os amigos deste pequeno espaço.

1. Offret/O Sacrifício, de Andreij Tarkovskij - 1986
2. Ran/Os Senhores Da Guerra, de Akira Kurosawa - 1985
3. Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola- 1979
4. It Happened Tomorrow, de René Clair - 1944
5. Taxi Driver, de Martin Scorsese - 1976
6. Sunrise/Aurora, de F.W. Murnau - 1927
7. Duel, de Steven Spielberg - 1971
8. The Naked Spur/Esporas de Aço, de Anthonny Mann - 1953
9. Unforgiven, de Clint Eastwood - 1992
10. One From The Heart, de Francis Ford Coppola - 1982

11. Fargo, de Joel Coen - 1996
12. Akira Kurosawa's Dreams, de Akira Kurosawa - 1989
13. The Barber, de Joel Coen - 2001
14. It's A Wonderful Life/Do Céu Caiu Uma Estrela, de Frank Capra - 1946
15. The Godfather I, de Francis Ford Coppola - 1972
16. The Third Man, de Carol Reed - 1949
17. Pulp Fiction, de Quentin Tarantino - 1994
18. Action In North Atlantic, de Lloyd Bacon - 1943
19. An American In Paris, de Vincente Minnelli - 1951
20. Assault On Precinct 13, de John Carpenter - 1976


21. Citizen Kane/O Mundo A Seus Pés, de Orson Welles - 1941
22. Blood Simple, de Joel Coen - 1984
23. Once Upon A Time In America, de Sergio Leone - 1984
24. Gangs Of New York, de Martin Scorsese - 2002
25. Johnny Guitar, de Nicholas Ray - 1954
26. L'Atalante, de Jean Vigo - 1931
27. The Sun Shines Bright/O Sol Nasce Para Todos, de John Ford - 1953
28. Viver/Ikiru, de Akira Kurosawa - 1952
29. Blow Up, de Michelangelo Antonioni - 1966
30. Morangos Silvestres/Smultronstallet, de Ingmar Bergman - 1957
31. The Deer Hunter, de Michael Cimino - 1978
32. American Beauty, de Sam Mendes - 2000
33. The Pianist, de Roman Polanski - 2002
34. Bird, de Clint Eastwood - 1988
35. Kagemusha, de Akira Kurosawa - 1980
36. One Of Our Aircrafts Is Missing, de Michael Powell - 1941
37. Blade Runner, de Ridley Scott - 1982
38. Paths Of Glory, de Stanley Kubrick - 1957
39. Young Mr. Lincoln, de John Ford - 1939
40. Scent of a woman/Perfume de mulher, de Martin Brest - 1992
41. Elephant, de Gus Van Sant - 2002
42. Paris, Texas, de Wim Wenders - 1984
43. Reservoir Dogs, de Quentin Tarantino - 1992
44. Dead Man Walking, de Tim Robbins - 1988
45. Blue Velvet, de David Lynch - 1986
46. M, de Fritz Lang - 1931
47. The Godfather II, Francis Ford Coppola - 1974
48. Pleins Feux Sur L'Assassin, de Georges Franju - 1961
49. Catch Me If You Can, de Steven Spielberg - 2002
50. A Grande Parada/Da Yuebing, de Chen Kaige - 1986



segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Keep on keeping on




... com a ajuda de Curtis Mayfield.