As práticas culturais dos homens confrontam-se, na sua natureza, com o risco da efemeridade.
Claro que Michelangelo, Van Gogh, Eifell, Strindberg, Mozart, John Ford, entre centos de outros, colocaram-se inapelavelmente no outro patamar da memória, que associariamos à imortalidade.
Mas este nosso tempo, que engendrou a massificação da criação cultural, ou artística, e também a massificação do acesso, estas décadas de que vimos e as que se seguirão assistem à irrupção de referências múltiplas, imensamente plurais e complexas.
Neste tempo o consumidor dessas práticas está melhor preparado. Mas ele tem de excluir 95% delas, sob pena de de nenhuma extrair verdadeiramente o suco de prazer que procura.
Na voragem dessa atitude de exclusão em massa, os consumidores que somos constituem-se em autênticos predadores de ocasião. São mastigadores de “chiclete”.
Perde-se a noção da perenidade das obras.
Não se contempla um filme que consideremos fantástico mais que 2 ou 3 vezes na vida. Não se ouve uma obra musical mais que aos pedaços, meia dúzia de vezes na vida, sempre à procura do nosso “hit” íntimo, daquele pequeno êxtasesinho.
A leitura de livros faz-se no intervalo de 10 jornais e 5 revistas por semana, com a noção constante de que uma leitura assaz rápida há-de permitir tempo para mais práticas lúdicas.
É de facto o lúdico que verdadeiramente procuramos, muitas vezes sem consciência assumida.
Claro que continua a haver nichos de genuinos “consumidores de convento”, aplicados, profundos, problematizadores, capazes de durante 1 mês lerem e relerem um livro de 200 páginas.
Haverá ainda alguns que 2 semanas a fio se dirigem à galeria e olham e olham aquele quadro, procurando encontrar-se na força que sentem na tela e lhe dá a dimensão artística.
Também sabemos que há quem consiga durante 2 anos ouvir as 400 versões da mesma peça de câmara de Mozart, procurando sempre novos ângulos, pacientemente, como só um monge.
Mas atenção ao perigo, caríssimos leitores: em 2004, nós consumidores culturais olhamos esses verdadeiros amadores culturais como párias, personagens de ficção eles próprios, fora do nosso tempo.
A democracia dos valores da cidadania, a força avassaladora do mercado – e o mercado começou há 10.000 anos, com a sedentarização da nossa espécie, recordemo-lo – transformaram-nos em cidadãos da vertigem.
Na democracia os governos têm um ano e meio, no máximo 2 para governarem. Mas nós, eleitores, temos um dia para dar testemunho da cidadania, muitas vezes contrariados, porque em lugar da praia lá temos de ir escolher quem nos vai estabelecer todos os impostos, melhorar ou agravar todas as condições sociais da nossa existência.
No consumo cultural um bom CD com músicas populares passa 3 dias no leitor do automóvel, pois em casa o espaço é da televisão e a força do sangue “prêt-à-porter” é tremenda.
No nosso tempo os livros são comprados e estacionam na prateleira, as lombadas a reluzirem, intocadas a não ser para se lhes remover o pó.
Ninguém lê os chamados “clássicos”, da antiguidade greco-romana e bizantina. Ninguém lê os pensadores da modernidade, dos últimos 300, 400 anos.
Em Portugal temos aliás um ícone da abordagem “fast and furious” que sossega as consciências: Hermano Saraiva.
No nosso tempo, a empregada de limpeza pegará mais vezes no livro, para o limpar, que o comprador.
No cinema, cada 6ª fª um filme magnífico aparecerá e logo se esvairá o interesse, eventualmente só retomado quando 3 horas de piadas de usar e deitar fora (a noite dos Óscares) o venham a ressucitar, para um visionamento mais, eventualmente o último.
Há um erro fundamental no nosso tempo: o nosso erro de cidadãos culturalmente contaminados pelo “fast food” cultural, que adoptamos e cultivamos.
Não tem remédio. A não ser que tenhamos a consciência de que também ele merece uma atitude cultural de rompimento.
Não diriamos obrigatoriamente partir a televisão e dizer vivas à clausura conventual. Antes aquela atitude de pára, escuta, olha, pensa.
E uma vez mais nos irrompe aquela fantástica peça do músico John Cage, em que, em gravação ao vivo, o criador cultural se senta junto ao instrumento musical e, durante mais de 4 minutos, se regista o som do seu silêncio, ficando a arte interrompida. A audiência foi fintada e entregue a si própria, ao seu vazio, às tosses repetidas, aos suspiros, à incomodidade de quem não vive bem com o silêncio.
Essa provocação do artista lembra-nos um caso recentemente ocorrido num canal de televisão francês. Em entrevista ao vivo, um determinado agente cultural pensa durante 30 segundos que resposta dar ao entrevistador de ocasião.
Quem se lembraria, em qualquer dos planos da nossa vivência, já não somente cultural, quem se lembraria de ficar em silêncio 30 segundos?
Mas, será que boa parte das questões que nos pomos, que nos colocam, por exemplo profissionalmente, não mereceriam 30 segundos antes de resposta?
Não. No nosso tempo tudo tem de ser “fast and furious”.
Claro que Michelangelo, Van Gogh, Eifell, Strindberg, Mozart, John Ford, entre centos de outros, colocaram-se inapelavelmente no outro patamar da memória, que associariamos à imortalidade.
Mas este nosso tempo, que engendrou a massificação da criação cultural, ou artística, e também a massificação do acesso, estas décadas de que vimos e as que se seguirão assistem à irrupção de referências múltiplas, imensamente plurais e complexas.
Neste tempo o consumidor dessas práticas está melhor preparado. Mas ele tem de excluir 95% delas, sob pena de de nenhuma extrair verdadeiramente o suco de prazer que procura.
Na voragem dessa atitude de exclusão em massa, os consumidores que somos constituem-se em autênticos predadores de ocasião. São mastigadores de “chiclete”.
Perde-se a noção da perenidade das obras.
Não se contempla um filme que consideremos fantástico mais que 2 ou 3 vezes na vida. Não se ouve uma obra musical mais que aos pedaços, meia dúzia de vezes na vida, sempre à procura do nosso “hit” íntimo, daquele pequeno êxtasesinho.
A leitura de livros faz-se no intervalo de 10 jornais e 5 revistas por semana, com a noção constante de que uma leitura assaz rápida há-de permitir tempo para mais práticas lúdicas.
É de facto o lúdico que verdadeiramente procuramos, muitas vezes sem consciência assumida.
Claro que continua a haver nichos de genuinos “consumidores de convento”, aplicados, profundos, problematizadores, capazes de durante 1 mês lerem e relerem um livro de 200 páginas.
Haverá ainda alguns que 2 semanas a fio se dirigem à galeria e olham e olham aquele quadro, procurando encontrar-se na força que sentem na tela e lhe dá a dimensão artística.
Também sabemos que há quem consiga durante 2 anos ouvir as 400 versões da mesma peça de câmara de Mozart, procurando sempre novos ângulos, pacientemente, como só um monge.
Mas atenção ao perigo, caríssimos leitores: em 2004, nós consumidores culturais olhamos esses verdadeiros amadores culturais como párias, personagens de ficção eles próprios, fora do nosso tempo.
A democracia dos valores da cidadania, a força avassaladora do mercado – e o mercado começou há 10.000 anos, com a sedentarização da nossa espécie, recordemo-lo – transformaram-nos em cidadãos da vertigem.
Na democracia os governos têm um ano e meio, no máximo 2 para governarem. Mas nós, eleitores, temos um dia para dar testemunho da cidadania, muitas vezes contrariados, porque em lugar da praia lá temos de ir escolher quem nos vai estabelecer todos os impostos, melhorar ou agravar todas as condições sociais da nossa existência.
No consumo cultural um bom CD com músicas populares passa 3 dias no leitor do automóvel, pois em casa o espaço é da televisão e a força do sangue “prêt-à-porter” é tremenda.
No nosso tempo os livros são comprados e estacionam na prateleira, as lombadas a reluzirem, intocadas a não ser para se lhes remover o pó.
Ninguém lê os chamados “clássicos”, da antiguidade greco-romana e bizantina. Ninguém lê os pensadores da modernidade, dos últimos 300, 400 anos.
Em Portugal temos aliás um ícone da abordagem “fast and furious” que sossega as consciências: Hermano Saraiva.
No nosso tempo, a empregada de limpeza pegará mais vezes no livro, para o limpar, que o comprador.
No cinema, cada 6ª fª um filme magnífico aparecerá e logo se esvairá o interesse, eventualmente só retomado quando 3 horas de piadas de usar e deitar fora (a noite dos Óscares) o venham a ressucitar, para um visionamento mais, eventualmente o último.
Há um erro fundamental no nosso tempo: o nosso erro de cidadãos culturalmente contaminados pelo “fast food” cultural, que adoptamos e cultivamos.
Não tem remédio. A não ser que tenhamos a consciência de que também ele merece uma atitude cultural de rompimento.
Não diriamos obrigatoriamente partir a televisão e dizer vivas à clausura conventual. Antes aquela atitude de pára, escuta, olha, pensa.
E uma vez mais nos irrompe aquela fantástica peça do músico John Cage, em que, em gravação ao vivo, o criador cultural se senta junto ao instrumento musical e, durante mais de 4 minutos, se regista o som do seu silêncio, ficando a arte interrompida. A audiência foi fintada e entregue a si própria, ao seu vazio, às tosses repetidas, aos suspiros, à incomodidade de quem não vive bem com o silêncio.
Essa provocação do artista lembra-nos um caso recentemente ocorrido num canal de televisão francês. Em entrevista ao vivo, um determinado agente cultural pensa durante 30 segundos que resposta dar ao entrevistador de ocasião.
Quem se lembraria, em qualquer dos planos da nossa vivência, já não somente cultural, quem se lembraria de ficar em silêncio 30 segundos?
Mas, será que boa parte das questões que nos pomos, que nos colocam, por exemplo profissionalmente, não mereceriam 30 segundos antes de resposta?
Não. No nosso tempo tudo tem de ser “fast and furious”.